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Pelo fim do voto secreto

Por Sen. Paulo Paim

Em meu livro de memórias (“O Rufar dos Tambores”), conto como foi o meu primeiro discurso de deputado federal constituinte. No dia 22 de fevereiro de 1987, subi à tribuna para pedir o fim do voto secreto em todas as instâncias do Congresso Nacional e, logo em seguida, apresentei proposta de emenda à Constituição com esse teor.Cumprindo mandato de senador da República, independente de greis partidárias e ideológicas, reapresentei o mesmo projeto (PEC 50/06), que já foi aprovado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e está pronto para ser votado no plenário.Notem que há mais de 20 anos venho batalhando pelo fim desse instrumento, por considerá-lo característico dos regimes antidemocráticos.

O primeiro passo foi dado anteontem com a aprovação de projeto do senador Delcídio Amaral (PT-MS), que prevê o fim das sessões secretas nos casos de deliberação sobre perda de mandato de senador. Portanto, já conseguimos aprovar a alteração no Regimento Interno do Senado. Mas é preciso avançar ainda mais.Para não perdermos mais uma vez o trem da história, é fundamental que a Constituição Federal seja alterada por meio da aprovação da emenda que liquida com o voto secreto no Congresso. Temos a obrigação de perseguir esse objetivo ou seremos cobrados pelas futuras gerações.O voto secreto estimula a hipocrisia e a mesquinharia.

Sei que não estou falando nenhuma inverdade. Ele permite disputas desleais entre forças políticas em que as acusações, muitas vezes sem fundamento, são feitas a torto e a direito como uma metralhadora giratória, pois ninguém sabe e nunca saberá do voto que foi dado.O voto secreto é tão injusto que pode se tornar um instrumento para condenar inocentes ou absolver culpados, tanto no caso de julgados como no de julgadores. É essa trama nebulosa e obscura que temos o dever de combater com as armas do diálogo e da argumentação.

Todo homem público, ao ser eleito, recebe uma procuração lavrada nas urnas pela população para ser seu legítimo representante. Há uma cumplicidade entre eleitos e eleitores que fundamentalmente não pode, de jeito nenhum, contemplar a ocultação de opiniões e decisões. O processo tem de ser transparente. O homem público não deve ter receio da votação aberta na escolha de embaixadores e ministros e, muito menos, na apreciação de vetos. É um absurdo, um verdadeiro contra-senso a votação ser aberta para a aprovação de projetos de lei e secreta para manter o veto.Bom exemplo é o de algumas Assembléias Legislativas, como as de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, que liquidaram com o voto secreto.

Essa iniciativa dá transparência e propicia que todos votem de acordo com suas convicções, fortalecendo assim a relação, como já disse, de eleitos e eleitores, mas, essencialmente, com o Poder Legislativo, que, no meu entendimento, deve ser o espaço de ressonância das vozes das ruas.Vários Parlamentos do mundo – Reino Unido, Dinamarca e Estados Unidos, por exemplo – não utilizam a prática do voto secreto para apreciação de leis, emendas, nomeações, indicações ou impedimentos. Nos EUA, ocorreu o famoso caso do impeachment do então presidente democrata Bill Clinton, que acabou absolvido inclusive com votos dos republicanos.Graças a essa regra, toda a população norte-americana ficou sabendo como foi o voto de cada parlamentar.

É importante lembrar que a OAB, a CNBB e várias entidades dos movimentos social, sindical e empresarial sempre estiveram na linha de frente, exigindo medidas para o fortalecimento da democracia brasileira. Fiéis a seus princípios, não estão deixando por menos e se movimentam objetivamente pelo fim do voto secreto.Independentemente dos fatos ocorridos na Câmara dos Deputados e no Senado, é de extrema importância que surja uma campanha nacional, com ampla participação da sociedade, objetivando o fim do voto secreto.

Se o rufar dos tambores não for tocado nas ruas e alamedas, dificilmente será ouvido no Congresso Nacional. Não podemos mais nos submeter “às forças ocultas” do nosso país.Vale lembrar que, há mais de 2.400 anos, o filósofo Diógenes perambulava pelas ruas de Atenas com uma lanterna de óleo acesa em pleno sol do dia. Aqueles que queriam que as coisas continuassem como estavam diziam que ele era um louco desvairado. Mas Diógenes, em sua lucidez, respondia que estava em busca de homens éticos e coerentes. Creio que chegou o momento de o Congresso Nacional ser iluminado pela lanterna de Diógenes.

Fonte: Jornal de Debates

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